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O
arquipélago de Fernando de Noronha sempre foi conhecido como o paraíso do
mergulho recreativo brasileiro – águas claras e quentes, vida marinha
abundante e praias maravilhosas. Mas Noronha possue também um outro lado, ainda
desconhecido da maioria e muito diferente dos barcos carregados de mergulhadores
iniciantes partindo para o seu "batismo". Nosso principal grupo de
ilhas oceânicas é também um paraíso para o mergulho técnico !
No início de julho, um grupo de 6 mergulhadores do Rio de Janeiro e de São Paulo liderados por Marcus Werneck (diretor da GUE - Global Underwater Explorers para a América Latina) e composto por João Mallet, Luiz Otávio Duarte, Luiz Toledo, Maurício Henriques e Pedro Paulo Cunha partiu para Noronha em uma expedição de duas semanas com dois objetivos: completar o treinamento de parte da equipe nos padrões da GUE e explorar o potencial da ilha para o mergulho técnico.
A
equipe foi chegando aos poucos, carregando cerca de 600kg de bagagem, a maior
parte composta por equipamentos de mergulho, fotografia e vídeo. Embora a ilha
praticamente viva de turismo, ela ainda não está completamente preparada para
suportar grupos de mergulhadores técnicos por longos períodos. A Atlantis
Divers forneceu apoio logístico e a infra-estrutura básica necessária,
como cilindros, estação de recarga, os catamarãs Atlantis Explorer e
Atlantis Discovery (perfeitos para este tipo de operação) e, mais
importante, membros de sua equipe que nos acompanharam na maioria dos mergulhos
e trabalharam duro para garantir o sucesso da expedição. Os 24 cilindros de
hélio e oxigênio para preparação das misturas tiveram que ser
"importados" do continente de navio.
Os
três primeiros dias de mergulho foram dedicados aos ajustes do equipamento, à
ambientação e ao treinamento de alguns mergulhadores. Estes mergulhos sozinhos
já teriam valido a viagem, já que a vida marinha na faixa dos 40 m de
profundidade é espetacular e o uso de cilindros duplos e misturas nitrox
permitiam tempos de fundo de mais de uma hora com todo o conforto. Desde o
início entramos em uma rotina que se repetiria até o final da expedição:
acordar, tomar café da manhã, preparar misturas (mais de 20 cilindros de
trimix, nitrox e oxigênio por dia), transportar todo o equipamento até o
porto, almoçar, embarcar em um dos catamarãs, mergulhar, descomprimir,
desembarcar, tomar banho, jantar e dormir.
No
quarto dia começamos os mergulhos mais profundos, justamente no local que viria
a se tornar o nosso "parque de diversões": o naufrágio da corveta V17
– Ipiranga, que afundou em 1983 após colidir com um cabeço na Ponta da
Sapata. Construído em 1953, este navio da Marinha do Brasil repousa hoje a
cerca de 60 m de profundidade, perfeitamente em pé no fundo de areia. Embora
ela seja visitada freqüentemente pelas operadoras locais, os mergulhos em geral
são curtos (10 minutos de tempo de fundo) e realizados com ar, o que induz um
alto grau de narcose e limita a capacidade de observação do naufrágio.
Durante a expedição da GUE utilizamos misturas trimix com elevados níveis de hélio (TMX 20/40), o que resultava em uma profundidade narcótica reduzida e aumentava muito a segurança, permitindo penetrações mais ousadas e longos tempos de fundo (uma dupla atingiu 50 minutos de tempo de fundo).
O mergulho na corveta é inesquecível. O cabo de descida fica preso na proa e você pode deixar suas stages (cilindros auxiliares com as misturas de descompressão) ali mesmo. A primeira vista é a marca registrada do naufrágio: o canhão Mk33/4 de 3 polegadas, um cenário perfeito para fotógrafos. Nos primeiros mergulhos é possível explorar a parte externa e atravessar partes da superestrutura (como a ponte de comando) de um bordo a outro.
Com
um pouco mais de familiaridade com o navio é possível começar as
penetrações. Embora os corredores estreitos e os cilindros duplos dificultem
um pouco a locomoção, a exploração é relativamente simples, tão tranqüila
que em alguns momentos você até esquece que está a mais de 55 m de
profundidade !
Após alguns mergulhos na corveta, partimos para o que seria o ponto alto da expedição: os mergulhos nos paredões. Noronha é uma ilha de origem vulcânica, o cume de uma montanha submarina que começa a mais de 1.000 m de profundidade. A costa vai descendo gradativamente até um pequeno "patamar" a cerca de 80 m e daí "despenca" verticalmente para profundidades inatingíveis.
Em dias alternados dois grupos de três mergulhadores desceram até cerca de 100 m para explorar o paredão. Enquanto os membros da equipe principal permaneciam por cerca de 30 minutos no fundo, os outros membros atuavam como mergulhadores de segurança. No dia seguinte os papéis se invertiam.
Os
mergulhos nas paredes também merecem um lugar especial no logbook de
qualquer mergulhador – ao me afastar do "patamar" a cerca de 80 m,
não pude deixar de lembrar de uma das últimas cenas do filme "O Segredo
do Abismo", quando o personagem principal desce a alguns milhares de metros
na escuridão absoluta...
Mesmo nesta profundidade ainda há muita luz, embora praticamente todas as cores desapareçam. A água estava inacreditavelmente quente (25º C) e alguns mergulhadores realizaram confortavelmente estas descidas com roupas úmidas de 3mm. As lanternas devolviam o colorido às formações rochosas e permitiram que explorássemos algumas grutas próximas ao local onde havíamos colocado a poita.
Encerrado o tempo de fundo, era hora de iniciar a subida e a descompressão. O uso de novas técnicas permitiu que durante toda a expedição os tempos de descompressão fossem reduzidos drasticamente - em um caso específico, a redução foi de 60% do tempo de subida calculado através das tabelas e programas tradicionais. Ao final de 10 dias de atividade, havíamos contabilizado mais de 70 homens-horas de mergulho, com cerca de 20 abaixo dos 50 m de profundidade.
Fernando
de Noronha provou ser um excelente destino para os mergulhadores técnicos e as
operadoras existentes podem fornecer a infra-estrutura básica necessária. No
entanto, realizar mergulhos neste tipo em Noronha não é como agendar uma
viagem ao Caribe. É preciso encarar a viagem como uma verdadeira expedição,
já que a logística precisa ser cuidadosamente estudada para evitar que a falta
de um equipamento, peça ou gás venha a comprometer toda a viagem.
Um detalhe importante para os que não conhecem é que as condições de hospedagem na ilha são bastante precárias, logo não espere um hotel padrão 5 estrelas, já que você terá que dormir em pousadas bastantes simples, construídas em geral em casas de pescadores.
A
segurança deve estar sempre em primeiro lugar e o planejamento do mergulho e
das contingências deve ser rigoroso, já que não existem instalações para
tratamento hiperbárico na ilha e a remoção de um acidentado pode levar
vários dias.
No balanço geral, Fernando de Noronha é nota 10 para o mergulho técnico, não ficando a dever nada para a Flórida e deve despontar em breve como o principal destino brasileiro para esta atividade, principalmente depois da interdição das cavernas de Bonito.
© 2000 Pedro Paulo A. C. Cunha (texto) e
Pedro Paulo Cunha/Marcus Werneck (fotos).
Todos os direitos reservados.
Artigo publicado sob autorização na revista Scuba número 42 (setembro
de 2000).
Para mais fotos da expedição à Fernando de Noronha, clique aqui.
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