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Um Mergulho no Futuro

Pedro Paulo Cunha

 

- "Pronta ?"

- "Como nunca !" responde minha companheira.

O veículo de transporte de mergulhadores (VTM) estava nos esperando, três metros abaixo da "piscina" de nosso hotel submarino. Este já era o quarto mergulho do dia. Já há mais de uma semana vínhamos explorando aquele paredão a cerca de 65m de profundidade e este mergulho noturno prometia belíssimas fotografias.

Verifiquei mais uma vez o funcionamento de meu rebreather através do display em minha máscara: pelo menos 6 horas de autônomia com trimix 8/60, que garantiria um mergulho livre de narcose naquela profundidade. Um indicador no canto inferior mostrava que tudo também funcionava perfeitamente no equipamento de minha companheira.

Com as lanternas acesas, demos adeus à equipe do hotel e pulamos para a água. Imediatamente senti o sistema de aquecimento da roupa entrando em funcionamento e decidi regular a temperatura para 26ºC. O VTM era espaçoso, permitindo que dois mergulhadores se deitassem confortavelmente lado a lado. Com a mão nos dois joysticks, tirei o veículo da "garagem", selecionei o ponto do recife que queríamos explorar naquela noite na tela do computador de navegação e liguei o piloto automático. Navegando a 15 nós, em poucos minutos estaríamos no local.

"Vamos mudar para o equipamento de visão virtual até chegarmos àquela caverna que vimos ontem", sugeriu minha companheira através do sistema de comunicação de nossas máscaras full-face. Assim que o VTM começou a desacelerar, acionamos a iluminação externa e nos preparamos para sair; o veículo permaneceria flutuando a poucos metros do recife. Nossos coletes ajustavam automaticamente a flutuabilidade enquanto nadávamos. O display na máscara indicava 64 m e uma pequena janela mostrava uma imagem gerada por sonar do local. O mergulho foi espetacular e a vida naquela profundidade era bastante diferente daquela que estávamos habituados a ver nos recifes mais rasos, há 15 anos atrás.

Estávamos nos preparando para mais uma foto quando fomos interrompidos pelo divemaster do hotel "Sr. Cunha, vocês já passaram mais de 5 minutos do tempo de previsto de retorno. Precisam de alguma ajuda?". "Não, obrigado." respondi, "Está tudo bem e devemos estar de volta em cerca de 20 minutos". Minha companheira não perdeu a chance "Viu ? Mais uma vez você perdeu a hora ! Já programei meu navegador para nos levar de volta ao VTM, basta vir atrás de mim...".

Não precisamos fazer nenhuma parada para descompressão, já que estávamos saturados a 50m. De volta ao hotel-habitat, tomamos um bom banho, jantamos e fomos ver o vídeo do mergulho com os outros hóspedes em um telão de 80 polegadas.

O dia seguinte prometia ser ainda mais interessante, pois iríamos todos realizar um mergulho em um naufrágio a mais de 250 m. A maioria dos hóspedes havia optado por ir nos mini-submarinos Deep-Flight V para 3 pessoas, mas eu não queria perder a chance de utilizar uma das novas roupas ADS. Após colocarmos as roupas rígidas dentro do habitat, elas seriam seladas na pressão ambiente e um mini-submarino especial nos levaria do lado de fora até o naufrágio. Mal podia esperar pelo dia seguinte !

 

 

Esta história pode parecer um sonho delirante de um final de semana chuvoso, mas traz à tona uma pergunta interessante: o que acontecerá no mergulho nos próximos anos ?

Algumas coisas são relativamente fáceis de serem previstas, como a penetração da internet, que deve mexer com o mercado de mergulho da mesma forma que mexeu em outros, oferecendo abundância de informações e contato direto entre fornecedores e clientes;

E quanto à tecnologia, o que será que vai acontecer ? Bem, aqui começa a futurologia e a advinhação, mas não custa tentar...

Para facilitar, criamos o Índice de Realidade Scuba (IRS), uma nota de 1 a 5 que representa a probabilidade de uma determinada tecnologia vir a se tornar realidade no futuro próximo. Quanto maior o IRS, maior a probabilidade de você mergulhar utilizando um destes equipamentos nos próximos 10 anos.

As máscaras deverão mudar. Conversar debaixo d´água não exige prática ou habilidade, apenas dinheiro - máscaras full-face equipadas com sistemas de comunicação já existem há vários anos e devem se tornar cada vez mais populares (IRS: 5). Outra novidade é a utilização de head-up displays (HUDs), que permitem a projeção de informações como profundidade, tempo de fundo e situação de descompressão na própria máscara, evitando que o mergulhador tenha que carregar consoles ou instrumentos no pulso. A tecnologia também é antiga e vem sendo testada pela Cochrane em alguns de seus computadores, além de ter sido utilizada pela Cis-Lunar nos modelos mais recentes de seus rebreathers. (IRS: 4).

Falando em rebreathers (equipamentos de circuito fechado), o que será que acontecerá com eles ? Há anos eles prometem ser "a grande revolução do mergulho", mas até agora seu uso tem estado restritos a um grupo muito pequeno. Certamente o número de usuários de rebreathers deve crescer nos próximos anos, mas dificilmente eles substituirão os equipamentos de circuito aberto devido à complexidade no uso e na manutenção (IRS: 3).

Por outro lado, diversos fabricantes continuam trabalhando na fabricação de cilindros menores, mais leves e de maior capacidade, feitos de ligas metálicas mais sofisticadas ou materiais compostos (IRS: 4).

O avanço da eletrônica deverá trazer algumas novidades. Os computadores deverão se tornar cada vez mais baratos e fáceis de usar, eventualmente substituindo completamente as tabelas de descompressão, enquanto que modelos cada vez mais sofisticados e capazes de lidar com múltiplas misturas se tornarão mais comuns entre os mergulhadores avançados e técnicos (IRS: 5).

Fabricantes como a Uwatec já oferecem bússolas digitais e sistemas de navegação e o dia em que um pequeno instrumento em seu console lhe mostrará o caminho de volta ao barco com precisão absoluta não está longe (IRS: 4).

Autores de ficção científica sonham a muito tempo com sistemas capazes de gerar imagens virtuais do fundo do mar e a equipe do projeto Wakula mostrou que isto é possível quando utilizou um scooter equipado com sonares e computadores para produzir um mapa tridimensional detalhado dos túneis de uma caverna. Através de programas especiais, os mergulhadores podem "explorar virtualmente" a caverna na tela de um computador, mas a tecnologia ainda é muito cara e sofisticada para que possa ser aplicada em larga escala (IRS: 3).

As misturas respiratórias artificiais nunca irão substituir o ar na maioria dos mergulhos, mas seu uso deve crescer. Principalmente em locais onde o número de mergulhos em um curto espaço de tempo é muito grande (como live-aboards), o nitrox deverá dominar a cena. Já o trimix deverá ser utilizado cada vez mais por reduzir os problemas de narcose pelo nitrogênio e intoxicação pelo oxigênio, praticamente abolindo o uso de ar nos mergulhos além de 50m (IRS: 5).

Alguns equipamentos menos sofisticados tecnologicamente também deverão passar por mudanças. Embora coletes com controle automático de flutuabilidade ainda sejam um sonho distante (IRS: 3), modelos mais sofisticados com lastro integrado e que organizem o equipamento de uma forma melhor (como o modelo lançado recentemente pela Mares) devem aparecer nos próximos meses.

Da mesma forma, roupas aquecidas ainda são um sonho pouco provável. O mergulho profissional utiliza roupas de água quente há muito tempo e roupas elétricas já foram testadas diversas vezes, mas seu uso é praticamente inviável no mergulho recreativo (IRS: 2). Para compensar, as roupas secas deverão se tornar cada vez mais populares e baratas, principalmente nas regiões mais frias o Brasil, onde elas são pouco conhecidas (IRS: 5).

As roupas de pressão atmosférica (ADS, Atmospheric Diving Suits) também fazem parte da lista de sonhos improváveis. Como os rebreathers, elas prometem ser a grande revolução do mergulho desde sua criação no século XIX. A idéia é construir uma roupa rígida que proteja o mergulhador dos efeitos da pressão, como um "mini-submarino sob medida com braços e pernas". Nos anos 70 elas ameaçaram dominar o mergulho profissional, mas isto acabou não acontecendo. Agora Phil Nuytten, um dos maiores projetistas de equipamentos deste tipo quer tentar novamente e criou a ExoSuit, uma roupa rígida leve e que permite a operação a meia água, voltada para os mergulhos profissionais mais rasos e para o mergulho técnico (IRS: 3). É tudo uma questão de preço...

Submarinos úmidos semelhantes ao VTM de nossa história existem há muitos anos, mas dificilmente se tornarão populares (IRS: 3). Para quem procura formas mais eficientes de se locomover debaixo d´água, a solução parece estar nos DPVs (Diver Propulsion Vehicles ou scooters), que estão disponíveis há mais de 30 anos e vem se tornando mais populares, principalmente no mergulho técnico. Os fabricantes aproveitam para criar modelos cada vez mais sofisticados, como o K-10 Hydrospeeder, capaz de atingir 7 nós e alguns resorts começam a se interessar por este tipo de "brinquedo" como forma de atrair mergulhadores buscando novas aventuras. (IRS: 4).

Outra novidade são nadadeiras mais eficientes utilizando um design semelhante ao das nadadeiras das baleias. Scubapro e Apollo já licenciaram a tecnologia e lançaram nadadeiras que prometem levar você mais longe, mais rápido e com menos esforço (IRS: 5).

Podemos esperar por novidades também no campo de submersíveis. Estes "mini-submarinos" já vem sendo utilizados para turismo em algumas ilhas do Caribe e hoje é até possível comprar um lugar em uma expedição ao naufrágio do Titanic. Como a idéia parece ter dado certo, provavelmente iremos ver cada vez mais mini-submarinos espalhados pelo mundo oferecendo passeios (IRS: 4).

Por fim, sonhar nunca é demais... Embora habitats submarinos sejam utilizados há cerca de 40 anos e a saturação seja uma prática comum no mergulho profissional, é improvável que estas técnicas venham a se tornar populares no mergulho recreativo. O Jules Undersea Lodge, na Flórida, deverá continuar a ser o único hotel submarino do mundo, a não ser que algum empresário milionário se encante pela idéia (IRS: 2). E o mergulho de saturação é complexo, caro e arriscado demais para que se torne uma ferramenta de uso comum, a não ser eventualmente entre os exploradores mais sofisticados (IRS: 1).

Agora só nos resta esperar para ver o que vai acontecer.

 

© 1999 Pedro Paulo A. C. Cunha (Texto). Todos os direitos reservados.
Artigo publicado sob autorização na revista
Scuba número 39 (março de 2000).

 

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