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A invenção do escafandro fechado no final do século XIX
abriu as portas dos oceanos para os exploradores e por volta de 1930 o mergulho
era um fato quase corriqueiro. O homem era capaz de permanecer debaixo d´água
por longos períodos e realizar trabalhos em profundidades além dos 50 m. No
entanto, o peso e a complexidade do equipamento dificultavam sua aplicação em
locais mais remotos. A necessidade de um umbilical ligando o mergulhador à
superfície para fornecimento de ar restringia a mobilidade a algumas dezenas de
metros em torno do local de descida.
Com o interesse pelo mar aumentando a cada dia, o homem necessitava de um equipamento totalmente autônomo, que dispensasse o uso do umbilical. Um equipamento deste tipo havia sido criado em 1872 por Rouquayrol e Denayrouze, na França. O conjunto já possuía um cilindro de ar, uma máscara facial, uma mangueira que era colocada na boca do mergulhador e uma válvula de demanda, que regulava a quantidade de ar fornecida ao mergulhador de acordo com a sua profundidade e respiração. Infelizmente, sua autonomia era bastante limitada e seu tamanho exagerado, obrigando o mergulhador a "andar" pelo fundo.
Por mais de 60 anos diversos inventores tentaram descobrir uma forma simples e segura de manter o homem debaixo d´água. Na maior parte dos casos os testes fracassavam ou o equipamento era grande ou complexo demais para poder ser utilizado na prática.
Com as maravilhas do Mar Mediterrâneo por explorar
praticamente no fundo de seus quintais, os franceses não mediam esforços para
achar uma solução para o problema do mergulho autônomo. Em torno de 1925, a
máscara, as nadadeiras e o snorkel já haviam sido inventados e o homem já
podia permanecer durante alguns segundos no fundo, nadando como um peixe na
posição horizontal mas ainda sem poder respirar. Neste ano, o Comandante Yves
Le Prieur combinou um cilindro de ar comprimido com uma válvula manual e,
utilizando também máscara e nadadeiras, o homem podia permanecer por diversos
minutos submerso, nadando como um peixe e não andando, como faziam os
escafandristas. Confiante em seu invento, a partir de 1934 Le Prieur começou a
realizar diversas demonstrações ao redor da França, acabando por fundar o
primeiro clube de mergulho organizado. Algumas dezenas de conjuntos chegaram a
ser produzidos, mas a operação da válvula manual ainda era complexa demais
para que o mergulho se tornasse popular.
Na mesma época a caça submarina começava a chamar a
atenção das pessoas na Europa. Curiosamente, a figura central deste período
não era um francês, mas um jornalista americano que morava em Cap D´Antibes
chamado Guy Gilpatric. Gilpatric era um excelente caçador e havia se mudado
para o Mediterrâneo para poder praticar seu esporte favorito com mais
frequência. Ele era considerado o "líder espiritual" dos caçadores
submarinos e em 1937 conheceu um jovem estudante de direito austríaco e
ensinou-o a mergulhar e a caçar. Sem saber, Gilpatric acabara de introduzir o
"vírus" do mergulho naquele que se tornaria um dos grandes pioneiros
da exploração submarina: Hans Hass.
Hass ficou maravilhado com o que viu e decidiu buscar formas
de observar e fotografar as criaturas do mar por um tempo maior do que sua
respiração permitia. Em 1938 partiu com um grupo de amigos para uma
expedição à Iugoslávia, onde experimentou um capacete aberto, mas a falta de
mobilidade e o barulho das bolhas (que afugentavam os peixes) fizeram-no
procurar outras alternativas. Em 1939 organizou uma nova expedição, desta vez
para Bonaire, hoje um dos paraísos do mergulho. Hass passou semanas na ilha
então inexplorada, fotografando todo o tipo de vida marinha. Ao voltar para a
Áustria, ele decidiu mudar o rumo de sua vida, abandonando o direito e
inscrevendo-se em um curso de zoologia para tornar-se um "peixe entre os
peixes", como gostava de dizer.
Para resolver o problema da permanência no fundo, Hass passou a utilizar um equipamento de circuito fechado (rebreather) de oxigênio puro, o Dräger Gagenlung. O Gagenlung era pequeno, portátil e podia ser recarregado com facilidade, já que o oxigênio era encontrado em qualquer parte do mundo. Como a maior parte dos mergulhos de Hass era realizado nas pequenas profundidade, o risco de intoxicação pelo oxigênio era tolerável e o rebreather tinha a vantagem de não soltar bolhas. Hass se adaptou tão bem com o equipamento que continuou a usa-lo mesmo depois da invenção do Aqualung.
A esposa de Hass, Lotte, também representa uma parte
significativa da história do mergulho. Ela era sua secretária e sonhava em
acompanha-lo, mas ele se recusava a levar mulheres nas expedições. Mesmo
assim, Lotte treinava mergulho secretamente e quando Hans viajava, pegava
"emprestado" suas câmaras para aprender fotografia submarina. Um dia
um investidor interessado em financiar um filme de Hass entrou em seu
escritório e disse "Você deveria utilizar garotas bonitas como esta em
seus filmes"; foi o suficiente para que Hans decidisse leva-la como uma
"figura decorativa" para as cenas de superfície em sua próxima
expedição. Mas quando um operador de câmara abandonou o grupo durante a
viagem, Hans não teve alternativa senão aceitar a ajuda de Lotte. Ela acabou
por escrever seu próprio livro e, além de fotógrafa, foi provavelmente a
primeira modelo submarina. A união deu tão certo que Hans e Lotte acabaram
casando-se em 1950.
A carreira de exploradores dos Hass durou até 1962. Durante este tempo, eles escreveram pelo menos 9 livros, produziram vários filmes e ajudaram a criar a primeira câmara submarina com flash, a Rolleimarin. Aos 80 anos, ele ainda atua ativamente na defesa dos oceanos. O casal vive junto até hoje e mergulha sempre que possível. Apesar de tudo isto, o trabalho de Hans Hass não foi suficiente para popularizar de forma definitiva o mergulho autônomo.
A história retorna a Cap D´Antibes e Guy Gilpatric. Em 1936
um conhecido de Gilpatric chamado Philippe Tailliez conheceu um certo francês
chamado Jacques-Yves Cousteau, que havia sofrido um grave acidente de carro.
Tailliez sugeriu a Cousteau que nadasse para facilitar a sua recuperação e em
um domingo de sol, Cousteau colocou uma máscara pela primeira vez e mergulhou
no Mediterrâneo. Como Hass, Cousteau ficou fascinado com o que viu e começou
sua própria busca por uma forma de superar as limitações do mergulho livre.
Em 1939 tentou utilizar um rebreather de oxigênio, mas após dois acidentes em
que teve convulsões graves a 13 m, desistiu e decidiu procurar outras
alternativas. Tentou o equipamento de Fernez, considerado simples e eficiente
mas não se conformou com o fato de estar preso à superfície por um umbilical.
Quando a mangueira de seu companheiro Frédéric Dumas se rompeu durante um
mergulho, Cousteau decidiu abandonar também este tipo de equipamento.
Em 1937 Cousteau casou-se com Simone Melchoir, cujo pai era
diretor da Air Liquide, o principal fabricante de gases industriais da França.
Com a ajuda do Sr. Melchoir, em 1942 Jacques foi apresentado a um engenheiro
chamado Emile Gagnan. Na época, Gagnan trabalhava em uma válvula que permitia
que os carros utilizassem gás como combustível ao invés de gasolina. Cousteau
explicou seu problema a Gagnan e juntos eles adaptaram a válvula para que
funcionasse como um regulador de ar. Em 1943, após diversos testes, Cousteau
realizou no rio Marne, nas redondezas de Paris, um mergulho histórico: estava
inventado o Aqualung, o primeiro equipamento autônomo realmente prático.
Composto por três cilindros capazes de suportar uma pressão de 150 atm e um
regulador de traquéia dupla, o equipamento pesava cerca de 25 kg. O Aqualung
era decepcionantemente simples, tão simples que podia ser utilizado por
qualquer pessoa com um mínimo de espírito de aventura e, em poucos meses,
estava sendo produzido em série e exportado para todo o mundo.
Mas a contribuição de Cousteau não se restringe à
invenção do equipamento autônomo. Ele era também um cineasta de mão cheia e
durante 50 anos encantou o mundo com suas expedições, livros e filmes,
transformando-se na maior lenda do mergulho e abrindo as portas do "mundo
do silêncio" para quem quisesse explora-lo.
© 2000 Pedro Paulo A. C. Cunha (Texto).
Todos os direitos reservados.
Artigo publicado sob autorização na revista Scuba número 38 (janeiro
de 2000).
P.S. (Fevereiro de 2002)
Após a
publicação deste artigo, alguns mergulhadores questionaram as origens das
nadadeiras e a partir de quando elas passaram a ser utilizadas. As
primeiras referências às nadadeiras aparentemente são de aproximadamente
1680, na obra do médico italiano Giovanni Borelli (1608-1679), famoso por ter
previsto diversos avanços da ciência que só viriam a se tornar realidade
muitos anos depois. Borelli estudou os movimentos de diversos animais (incluindo
homens, focas, sapos e peixes) e projetou um equipamento que permitiria ao homem
permanecer debaixo d’agua por muito mais tempo ou, em suas próprias palavras
“andar no fundo como um caranguejo, ou nadar como um sapó com suas mãos e pés”.
Durante anos elas apareceram em ilustrações, como em uma obra alemã entitulada Theatrum Pontificale oder Des Schau-Platzes der Brücken-Baues, publicada em Leipzig em 1726. Mas a popularização das nadadeiras como conhecemos hoje parece ter acontecido somente por volta de por volta de 1935, quando o francês Louis de Courlieu patenteou e fabricou os primeiros modelos de borracha com bolsos moldados para os pés.
Em 1937
Philippe Tailliez Jacques Cousteau utilizavam nadadeiras, óculos, snorkels e
arpões no Mediterrâneo e poucos anos depois, logo antes do início da Segunda
Guerra Mundial, as nadadeiras podiam ser encontradas com grande facilidade. A
partir daí, poucos mergulhadores se aventurariam na água sem um par de “pés-de-pato”...
Para
quem quiser conhecer mais sobre o assunto, uma das melhores referências é o
livro Deep Diving & Submarine Operations, de Robert H. Davis,
publicado desde o início do século XX.
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