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História do Mergulho

Umbilicais Cortados:
O nascimento do mergulho autônomo

Pedro Paulo Cunha

 

A invenção do escafandro fechado no final do século XIX abriu as portas dos oceanos para os exploradores e por volta de 1930 o mergulho era um fato quase corriqueiro. O homem era capaz de permanecer debaixo d´água por longos períodos e realizar trabalhos em profundidades além dos 50 m. No entanto, o peso e a complexidade do equipamento dificultavam sua aplicação em locais mais remotos. A necessidade de um umbilical ligando o mergulhador à superfície para fornecimento de ar restringia a mobilidade a algumas dezenas de metros em torno do local de descida.

Com o interesse pelo mar aumentando a cada dia, o homem necessitava de um equipamento totalmente autônomo, que dispensasse o uso do umbilical. Um equipamento deste tipo havia sido criado em 1872 por Rouquayrol e Denayrouze, na França. O conjunto já possuía um cilindro de ar, uma máscara facial, uma mangueira que era colocada na boca do mergulhador e uma válvula de demanda, que regulava a quantidade de ar fornecida ao mergulhador de acordo com a sua profundidade e respiração. Infelizmente, sua autonomia era bastante limitada e seu tamanho exagerado, obrigando o mergulhador a "andar" pelo fundo.

Por mais de 60 anos diversos inventores tentaram descobrir uma forma simples e segura de manter o homem debaixo d´água. Na maior parte dos casos os testes fracassavam ou o equipamento era grande ou complexo demais para poder ser utilizado na prática.

Com as maravilhas do Mar Mediterrâneo por explorar praticamente no fundo de seus quintais, os franceses não mediam esforços para achar uma solução para o problema do mergulho autônomo. Em torno de 1925, a máscara, as nadadeiras e o snorkel já haviam sido inventados e o homem já podia permanecer durante alguns segundos no fundo, nadando como um peixe na posição horizontal mas ainda sem poder respirar. Neste ano, o Comandante Yves Le Prieur combinou um cilindro de ar comprimido com uma válvula manual e, utilizando também máscara e nadadeiras, o homem podia permanecer por diversos minutos submerso, nadando como um peixe e não andando, como faziam os escafandristas. Confiante em seu invento, a partir de 1934 Le Prieur começou a realizar diversas demonstrações ao redor da França, acabando por fundar o primeiro clube de mergulho organizado. Algumas dezenas de conjuntos chegaram a ser produzidos, mas a operação da válvula manual ainda era complexa demais para que o mergulho se tornasse popular.

Na mesma época a caça submarina começava a chamar a atenção das pessoas na Europa. Curiosamente, a figura central deste período não era um francês, mas um jornalista americano que morava em Cap D´Antibes chamado Guy Gilpatric. Gilpatric era um excelente caçador e havia se mudado para o Mediterrâneo para poder praticar seu esporte favorito com mais frequência. Ele era considerado o "líder espiritual" dos caçadores submarinos e em 1937 conheceu um jovem estudante de direito austríaco e ensinou-o a mergulhar e a caçar. Sem saber, Gilpatric acabara de introduzir o "vírus" do mergulho naquele que se tornaria um dos grandes pioneiros da exploração submarina: Hans Hass.

Hass ficou maravilhado com o que viu e decidiu buscar formas de observar e fotografar as criaturas do mar por um tempo maior do que sua respiração permitia. Em 1938 partiu com um grupo de amigos para uma expedição à Iugoslávia, onde experimentou um capacete aberto, mas a falta de mobilidade e o barulho das bolhas (que afugentavam os peixes) fizeram-no procurar outras alternativas. Em 1939 organizou uma nova expedição, desta vez para Bonaire, hoje um dos paraísos do mergulho. Hass passou semanas na ilha então inexplorada, fotografando todo o tipo de vida marinha. Ao voltar para a Áustria, ele decidiu mudar o rumo de sua vida, abandonando o direito e inscrevendo-se em um curso de zoologia para tornar-se um "peixe entre os peixes", como gostava de dizer.

Para resolver o problema da permanência no fundo, Hass passou a utilizar um equipamento de circuito fechado (rebreather) de oxigênio puro, o Dräger Gagenlung. O Gagenlung era pequeno, portátil e podia ser recarregado com facilidade, já que o oxigênio era encontrado em qualquer parte do mundo. Como a maior parte dos mergulhos de Hass era realizado nas pequenas profundidade, o risco de intoxicação pelo oxigênio era tolerável e o rebreather tinha a vantagem de não soltar bolhas. Hass se adaptou tão bem com o equipamento que continuou a usa-lo mesmo depois da invenção do Aqualung.

A esposa de Hass, Lotte, também representa uma parte significativa da história do mergulho. Ela era sua secretária e sonhava em acompanha-lo, mas ele se recusava a levar mulheres nas expedições. Mesmo assim, Lotte treinava mergulho secretamente e quando Hans viajava, pegava "emprestado" suas câmaras para aprender fotografia submarina. Um dia um investidor interessado em financiar um filme de Hass entrou em seu escritório e disse "Você deveria utilizar garotas bonitas como esta em seus filmes"; foi o suficiente para que Hans decidisse leva-la como uma "figura decorativa" para as cenas de superfície em sua próxima expedição. Mas quando um operador de câmara abandonou o grupo durante a viagem, Hans não teve alternativa senão aceitar a ajuda de Lotte. Ela acabou por escrever seu próprio livro e, além de fotógrafa, foi provavelmente a primeira modelo submarina. A união deu tão certo que Hans e Lotte acabaram casando-se em 1950.

A carreira de exploradores dos Hass durou até 1962. Durante este tempo, eles escreveram pelo menos 9 livros, produziram vários filmes e ajudaram a criar a primeira câmara submarina com flash, a Rolleimarin. Aos 80 anos, ele ainda atua ativamente na defesa dos oceanos. O casal vive junto até hoje e mergulha sempre que possível. Apesar de tudo isto, o trabalho de Hans Hass não foi suficiente para popularizar de forma definitiva o mergulho autônomo.

A história retorna a Cap D´Antibes e Guy Gilpatric. Em 1936 um conhecido de Gilpatric chamado Philippe Tailliez conheceu um certo francês chamado Jacques-Yves Cousteau, que havia sofrido um grave acidente de carro. Tailliez sugeriu a Cousteau que nadasse para facilitar a sua recuperação e em um domingo de sol, Cousteau colocou uma máscara pela primeira vez e mergulhou no Mediterrâneo. Como Hass, Cousteau ficou fascinado com o que viu e começou sua própria busca por uma forma de superar as limitações do mergulho livre. Em 1939 tentou utilizar um rebreather de oxigênio, mas após dois acidentes em que teve convulsões graves a 13 m, desistiu e decidiu procurar outras alternativas. Tentou o equipamento de Fernez, considerado simples e eficiente mas não se conformou com o fato de estar preso à superfície por um umbilical. Quando a mangueira de seu companheiro Frédéric Dumas se rompeu durante um mergulho, Cousteau decidiu abandonar também este tipo de equipamento.

Em 1937 Cousteau casou-se com Simone Melchoir, cujo pai era diretor da Air Liquide, o principal fabricante de gases industriais da França. Com a ajuda do Sr. Melchoir, em 1942 Jacques foi apresentado a um engenheiro chamado Emile Gagnan. Na época, Gagnan trabalhava em uma válvula que permitia que os carros utilizassem gás como combustível ao invés de gasolina. Cousteau explicou seu problema a Gagnan e juntos eles adaptaram a válvula para que funcionasse como um regulador de ar. Em 1943, após diversos testes, Cousteau realizou no rio Marne, nas redondezas de Paris, um mergulho histórico: estava inventado o Aqualung, o primeiro equipamento autônomo realmente prático. Composto por três cilindros capazes de suportar uma pressão de 150 atm e um regulador de traquéia dupla, o equipamento pesava cerca de 25 kg. O Aqualung era decepcionantemente simples, tão simples que podia ser utilizado por qualquer pessoa com um mínimo de espírito de aventura e, em poucos meses, estava sendo produzido em série e exportado para todo o mundo.

Mas a contribuição de Cousteau não se restringe à invenção do equipamento autônomo. Ele era também um cineasta de mão cheia e durante 50 anos encantou o mundo com suas expedições, livros e filmes, transformando-se na maior lenda do mergulho e abrindo as portas do "mundo do silêncio" para quem quisesse explora-lo.

© 2000 Pedro Paulo A. C. Cunha (Texto). Todos os direitos reservados.
Artigo publicado sob autorização na revista
Scuba número 38 (janeiro de 2000).

 

P.S. (Fevereiro de 2002)

Após a publicação deste artigo, alguns mergulhadores questionaram as origens das nadadeiras e a partir de quando elas passaram a ser utilizadas. As primeiras referências às nadadeiras aparentemente são de aproximadamente 1680, na obra do médico italiano Giovanni Borelli (1608-1679), famoso por ter previsto diversos avanços da ciência que só viriam a se tornar realidade muitos anos depois. Borelli estudou os movimentos de diversos animais (incluindo homens, focas, sapos e peixes) e projetou um equipamento que permitiria ao homem permanecer debaixo d’agua por muito mais tempo ou, em suas próprias palavras “andar no fundo como um caranguejo, ou nadar como um sapó com suas mãos e pés”.

Durante anos elas apareceram em ilustrações, como em uma obra alemã entitulada Theatrum Pontificale oder Des Schau-Platzes der Brücken-Baues, publicada em Leipzig em 1726. Mas a popularização das nadadeiras como conhecemos hoje parece ter acontecido somente por volta de por volta de 1935, quando o francês Louis de Courlieu patenteou e fabricou os primeiros modelos de borracha com bolsos moldados para os pés. 

Em 1937 Philippe Tailliez Jacques Cousteau utilizavam nadadeiras, óculos, snorkels e arpões no Mediterrâneo e poucos anos depois, logo antes do início da Segunda Guerra Mundial, as nadadeiras podiam ser encontradas com grande facilidade. A partir daí, poucos mergulhadores se aventurariam na água sem um par de “pés-de-pato”...

Para quem quiser conhecer mais sobre o assunto, uma das melhores referências é o livro Deep Diving & Submarine Operations, de Robert H. Davis, publicado desde o início do século XX.


 

 

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