TDlogo_10Yellow.gif (1126 bytes)

BIBLIOTECA

 

História do Mergulho
Nos Tempos do Escafandro

Pedro Paulo Cunha

 

 

Após a invenção do escafandro fechado por Augustus Siebe em 1839, a exploração do fundo do mar ganhou, literalmente, fôlego. Por mais de 100 anos o escafandro tradicional sofreu pouquíssimas modificações e foi a principal ferramenta de trabalho dos mergulhadores.

O escafandro é provavelmente a imagem mais fácil de ser associada à exploração submarina e pode ser encontrado em uso até hoje. Apesar do peso (um modelo Mk V pesava mais de 100 kg), da pouca mobilidade (devido ao umbilical que fornecia ar a partir da superfície) e da visibilidade limitada, ele permitiu a realização de façanhas simplesmente inacreditáveis...

Em 1885 o mergulhador Alexander Lambert resgatou sozinho meio milhão de dólares em moedas de ouro de uma sala forte do naufrágio do Alfonso XII a 50 m, embora isto tenha custado a Lambert uma aposentadoria precoce graças a doença descompressiva.

Em 1905 arquitetos descobriram que a catedral de Winchester (Inglaterra) estava prestes a ruir devido a infiltração de água em suas fundações. Construída no século VII, a catedral era um monumento histórico e era inaceitável perdê-la. A única saída era utilizar mergulhadores para instalar apoios nas fundações, um trabalho gigantesco para a época. O surpreendente é que a tarefa foi realizada por um único homem, William Walker, entre 1906 e 1911. Durante 6 anos Walker mergulhou com seu escafandro 6 horas por dia em visibilidade zero para escavar 235 poços e instalar os reforços a 8 m de profundidade.

No início do século acidentes com mergulhadores se tornavam cada vez mais graves e frequentes devido a um mal que poucos compreendiam: a doença descompressiva. Em 1906 o almirantado inglês decidiu criar um comitê para investigar o problema, nomeando o professor John Scott Haldane como seu líder. Haldane atacou os problemas do mergulho de forma científica e introduziu diversos novos equipamentos, como câmaras de descompressão e compressores mais eficientes. Mas ele é lembrado até hoje por ter criado o conceito de descompressão em estágios e as tabelas de descompressão. As tabelas sofreram diversas modificações durante este século, mas suas teorias são utilizadas até hoje, inclusive nos modernos computadores de mergulho (alguém já ouviu a expressão "Modelo Haldaniano" ?).

O grande público começou a ter contato com o mundo submarino em 1916 quando estreiou nos EUA o filme 20.000 Léguas Submarinas. A maioria das pessoas que assitem ao clássico de 1954 produzido pelos estúdios Disney nem imagina que esta é a segunda versão para o cinema da obra de Júlio Verne. Quase 40 anos antes os irmãos Williamson utilizaram escafandros para produzir a primeira versão, mostrando cenas submarinas nunca antes vistas. Como as caixas estanques ainda não haviam sido inventadas, os Williamson criaram a fotosfera, uma esfera submersa para abrigar a câmara, ligada por um longo tubo à superfície que permitia ao operador subir e descer.

Apesar do grande interesse do público, quando o transatlântico Laurentic afundou durante a Primeira Guerra Mundial carregando mais de 25 milhões de dólares em barras de ouro, a marinha inglesa foi obrigada a iniciar uma operação altamente secreta para não chamar a atenção dos alemães. Entre 1917 e 1924 os mergulhadores da Royal Navy recuperaram praticamente toda carga do interior do naufrágio a 36 m de profundidade.

O homem utilizava o escafandro para executar trabalhos no mar, em pontes, portos, rios, naufrágios e em qualquer outro lugar onde houvesse água mas apesar da evolução, a profundidade máxima ainda era limitada. Alguns mergulhadores chegaram a descer a mais de 100 m com este tipo de equipamento e respirando ar, mas a narcose pelo nitrogênio praticamente impedia a execução de trabalhos mais complexos em profundidades além dos 30m.

Várias idéias surgiram nas primeiras décadas do século para romper esta barreira e uma das mais interessantes era a roupa blindada. O princípio idéia era simples: construir uma roupa que mantivesse o mergulhador à pressão atmosférica (evitando a narcose e a descompressão) e permitisse sua movimentação através de juntas flexíveis - algo como um micro-submarino com braços e pernas. Em 1913 já existia um modelo operacional, a roupa de Neufeldt-Khunke, que chegou a ser utilizada com sucesso em alguns resgates. Infelizmente estas roupas apresentavam um problema: com o aumento da profundidade, a pressão "travava" as juntas e impedia que o mergulhador se mexesse.

O impulso que faltava para o desenvolvimento do mergulho profundo veio da marinha dos EUA após a perda do submarino S-4 e toda a sua tripulação a 31 m. A revolta da opinião pública ao saber que a equipe de salvamento era capaz de se comunicar com os sobreviventes a bordo do submarino mas não tinha como resgata-los foi tanta que a marinha decidiu formar um grupo com o objetivo de aumentar a profundidade máxima de trabalho das equipes de resgate. Entre outros projetos, o grupo começou a trabalhar na utilização de hélio nas misturas respiratórias para diminuir o efeito da narcose.

Praticamente ao mesmo tempo, o Dr. Edgar End investigava o mesmo assunto com o auxílio de dois amigos, Max Gene Nohl e John D. Craig (que ficou famoso ao narrar suas aventuras submarinas em livro e em uma série de TV). Após diversos testes em câmara e o cancelamento de uma expedição ao naufrágio do Lusitania (95 m), em 1937 eles se sentiam prontos para tentar superar os recordes de profundidade da época. Utilizando um escafandro desenhado por ele mesmo e que parecia mais um farol que um equipamento de mergulho, Nohl atingiu a marca de 128 m. O escafandro funcionava de modo autônomo com dois cilindros de mistura respiratória e só era ligado à superfície por um cabo guia e pela linha de comunicação.

Mas a prova final de que o hélio era uma alternativa viável para o problema da narcose e só veio em 1939 com o afundamento de outro submarino americano. O Squalus submergiu sem fechar uma válvula e, com a água invadindo o submarino, os tripulantes não tiveram tempo de escapar e foram obrigados a refugiar-se nos compartimentos não alagados. Dos 59 tripulantes, 33 sobreviveram e ficaram presos a 75 m de profundidade.

O Squalus foi localizado rapidamente e em poucas horas um navio de resgate estava em posição. A idéia era utilizar um novo sino de mergulho que podia se acoplar em uma das escotilhas do submarino, funcionando como um elevador para trazer os tripulantes de volta à superfície. No entanto, era preciso fixar um cabo guia ao submarino. Os mergulhadores tentaram fixar o cabo diversas vezes, mas a narcose e o frio impediam que eles completassem a missão. Com o tempo se esgotando, a equipe tomou uma decisão: enviar um homem ao fundo utilizando um equipamento experimental e uma mistura à base de hélio. Em poucos minutos o mergulhador prendeu o cabo e após 12 viagens do sino, os 33 sobreviventes foram resgatados. Nas semanas seguintes, a marinha realizou mais de 100 mergulhos utilizando hélio para trazer o Squalus de volta à tona na operação de salvatagem mais profunda até então. A "embriaguez das profundezas" não era mais uma barreira para a exploração do fundo do mar.

Durante a Segunda Guerra o escafandro clássico continuou a ser utilizado, mas a necessidade de equipamentos mais simples e com mais mobilidade crescia a cada dia. Japoneses, italianos e ingleses utilizavam rebreathers de oxigênio em missões de combate, mas os efeitos da toxidade pelo oxigênio em profundidades maiores que 10 m limitava a aplicação deste tipo de equipamento.

Era preciso encontrar uma forma libertar os mergulhadores e, embora diversos pioneiros tenham demonstrado soluções para o problema durante a década de 30, foi preciso esperar até 1943 para que dois franceses, Jacques-Yves Cousteau e Emile Gagnan cortassem de forma definitiva os umbilicais, criando o Aqualung e dando início a um novo capítulo da história do mergulho.

 

 

 

 

 

© 1999 Pedro Paulo A. C. Cunha (Texto). Todos os direitos reservados.
Artigo publicado sob autorização na revista
Scuba número 37 (dezembro de 1999).

 

 

 

 

 

AN00022A.gif (2030 bytes) Home BS00808A.gif (2319 bytes) Biblioteca BS00622A.gif (2341 bytes) Artigos Tech Diving