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Cavernas da Flórida - Um mergulho no labirinto

Pedro Paulo Cunha e Flávio Conte

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Quando um mergulhador pensa no seu "paraíso submarino", ele certamente lembra de coisas como águas limpas, quentes, sem ondas ou vento, fácil acesso (sem longas viagens de barco ou caminhadas carregando 40 kg de equipamento) e possibilidade de mergulhar a qualquer hora, várias vezes por dia, se quiser. Parece ficção, mas existe um lugar onde todos estas características estão reunidas e com a vantagem de que não é preciso nem mesmo lavar o equipamento após os mergulhos: as cavernas submersas da Flórida, nos Estados Unidos.

GS_0007.jpg (42877 bytes)Ao observar a geologia da Flórida mais atentamente, percebe-se que ela é completamente cortada por rios subterrâneos, que afloram à superfície sempre que encontram terrenos geologicamente mais fracos, formando os chamados springs (ressurgências). A água destes rios é tão limpa que alguns deles vem sendo usados como fontes de água mineral, engarrafada e vendida. Uma vez debaixo d'água, é impossível determinar de quantas centenas de metros é a visibilidade: nenhuma das bacias usadas para mergulho é grande o suficiente e, uma vez dentro das cavernas, nenhuma lanterna alcança tão longe. Conhecidos, são mais de 350 springs (120 normalmente explorados por mergulhadores), espalhados por 12 parques privados e 10 públicos. Este sistema subterrâneo vai além da Flórida, alcançando estados como Georgia e Tennessee.

GS_0006.jpg (42202 bytes)O parque de Ginnie Springs, próximo às cidades de High Springs e Gainesville é provavelmente o maior centro de mergulho em cavernas do mundo. São mais de 200 acres à beira do rio Santa Fé, com 12 springs cercados por jardins de ciprestes. Três destes springs são utilizados para mergulho autônomo. O mais conhecido é a gruta de Ginnie Springs, que teve uma grade colocada a cerca de 40 metros da entrada de modo a impossibilitar a exploração por mergulhadores não treinados. Somente desta gruta, mais de um bilhão de litros de água mineral são jogados no rio Santa Fé a cada dia. Os outros dois springs são duas cavernas interligadas, Devil's Eye e Devil's Ear (o olho e o ouvido do diabo) usadas para treinamento durante os cursos e, após anos, ainda não completamente exploradas. Ao redor dos springs existem mesas, bancos, quiosques, churrasqueiras e quadras de vôlei, além de banheiros limpos e aquecidos (o banho quente a 10 metros do local de mergulho é uma comodidade imbatível). O parque conta ainda com uma área de camping capaz de acomodar mais de 50 barracas e uma loja especializada em equipamentos de mergulho comuns e especiais para cavernas e uma pequena lanchonete.

Mas as principais atrações de Ginnie Springs são os cursos de mergulho em cavernas. O primeiro é o de cavern diving (ou mergulho em grutas, a zona das cavernas de onde ainda é possível se avistar a luz do sol), dura dois dias (quatro mergulhos) e cobre em aulas teóricas e práticas temas como o ambiente das cavernas, análise de acidentes, stress dos mergulhadores, equipamentos especiais e modificados, comunicações, planejamento e preparação de mergulhos, técnicas de natação, uso da linha guia e procedimentos de emergência. É um curso relativamente simples que pode ser feito por qualquer pessoa que tenha completado um curso de mergulho autônomo básico e é um pré requisito para o segundo curso, basic cave diving ("introdução ao mergulho em cavernas"). Neste, os temas são praticamente os mesmos mas cobertos com mais detalhes, realizado também em dois dias e com 4 mergulhos. A partir deste ponto, o treinamento é mais rigoroso e prossegue com o full cave diving, que dura cerca de 40 horas (quatro ou cinco dias). Daí em diante, o mergulhador pode se especializar em mergulho fundo, descompressão, topografia submarina, misturas respiratórias, DPVs (veículos de propulsão para mergulhadores ou scooters) e muitos outros cursos, dependendo de sua disponibilidade de tempo e dinheiro.

GS_0012.jpg (63114 bytes)O primeiro mergulho é normalmente feito na gruta de Ginnie Springs e é o mais impressionante para os novatos. Este mergulho não apresenta maiores problemas de segurança, pois há alguns anos foi instalada uma grade a 100 m da entrada que impede o acesso às partes mais profundas da caverna. Com o carro estacionado a poucos metros da água, os mergulhadores usam as mesas de pic-nic para se equiparem, descendo por uma escada acarpetada até o fundo de uma bacia de 30m de diâmetro e 7m de profundidade, onde se encontra a entrada da gruta. A visibilidade é impressionante - da parte central (mais funda), é possível trocar sinais com os companheiros que ainda estão na escada como se eles estivessem a um metro de distância. A temperatura da água é de 22 °C o ano todo, bastante confortável com uma roupa de neoprene completa. Ao entrar na gruta, o mergulhador se depara com a "catedral" ou "salão de baile", com perto de 600 m2 de área e 12 m de altura.

A beleza é diferente da de um mergulho no Caribe. Não existem corais ou peixes coloridos e a paisagem tem sempre a mesma cor, em tons de cinza ou azul. Os peixes são raros mas sempre amigáveis, aproximando-se do mergulhador em busca de comida. É uma beleza fascinante, porém sombria, que nos mergulhos na zona de caverna chega a ser assustadora.

GS_0015.jpg (54644 bytes)Devil's Eye é o mergulho mais emocionante. No meio do rio Santa Fé, uma chaminé desce verticalmente até 9 m de profundidade, onde uma pequena fenda dá acesso à caverna. Como o fluxo de água é grande, só é possível entrar se segurando nas pedras do chão, o que não é das tarefas mais simples, já  que as mãos estão ocupadas com linha guia, lanternas e máquina fotogr fica - qualquer distração e o mergulhador é "cuspido" de volta para o rio, se não ficar preso de encontro a uma pedra pela corrente. Uma vez dentro, a visão lembra uma estação de metrô: um imenso túnel, com cerca de 8 metros de diâmetro e sem um final visível. Ao lado, um túnel secundário leva à caverna de Devil's Ear, mas a passagem só é recomendada a mergulhadores experientes devido aos obstáculos do caminho.

A segurança é garantida de uma forma original: mergulhadores não treinados em cavernas não podem se aproximar de Devil's Ear e Devil's Eye portando lanternas, o que serve para inibir sua entrada no sistema, que, ao contrário de Ginnie Springs, não possui grades e se estende por vários quilômetros, aumentando as chances de um acidente. Cada metro que o mergulhador se afasta da saída é mais um metro a ser percorrido no caminho de volta; não existe uma "subida de emergência" direta para a superfície.

Em todos os cursos, o objetivo é conscientizar o mergulhador dos perigos da atividade, apresentar os equipamentos e técnicas usados para minimizar o risco e expô-lo aos mais diversos problemas debaixo d'água, fazendo com que os procedimentos de emergência sejam praticamente automáticos e afastando a possibilidade de pânico, que pode ser fatal. Segundo o Dr. Bill Stone, líder de um dos mais audaciosos projetos de exploração de cavernas submarinas, "no mergulho em cavernas, uma linha muito fina separa o deslumbramento de grandes problemas".

GS_0014.jpg (61977 bytes)Encarado com uma certa dose de preconceito pelas agências certificadoras, o mergulho em cavernas sempre foi a mais complexa e sofisticada especialidade do mergulho amador, e é difícil acreditar que um mergulho de 8 horas ou a 110 metros de profundidade possa ser considerado uma atividade "esportiva". Em volta das cavernas da Flórida é possível encontrar os alguns dos "monstros sagrados" do mergulho amador, como Sheck Exley, Wes Skiles, Bill Stone, Pete Butt e Dustin Clesi discutindo novas técnicas e equipamentos - alguns deles adotados muitos anos depois como itens de segurança indispensáveis por todos os mergulhadores, como o manômetro submersível, o regulador octopus e os suprimentos de ar redundantes. Palavras em geral proibidas como "descompressão", "mergulho fundo" e "misturas respiratórias" são comuns neste círculos. Para explorar um único sistema, chamado Wakulla, em busca de informações arqueológicas e geológicas, uma equipe de mais de dez mergulhadores e mergulhadoras passou trinta dias mergulhando diariamente a 100 metros de profundidade, topografando cerca de 1,5 km de túneis. O equipamento incluiu misturas experimentais de hélio e oxigênio, DPVs, suprimentos de ar de circuito fechado e até mesmo uma câmara de descompressão submersa móvel.

GS_0001.jpg (60665 bytes)Para os fotógrafos submarinos, Ginnie Springs é um verdadeiro paraíso, permitindo fotos onde praticamente não se enxerga a água - dezenas de comerciais para a TV já foram produzidos ali. Para os mergulhadores que preferem manter distância das cavernas, Ginnie ainda tem muitos atrativos. As bacias nas entradas das cavernas convidam a mergulhos inesquecíveis pela limpidez da água e o próprio rio Santa Fé é bastante interessante. Embora com pouco menos de 15m de visibilidade, tem seu fundo coberto de artefatos da guerra civil americana, restos de animais pré-históricos (como dentes de tubarões, camelos, mastodontes e vértebras de baleias) e de objetos produzidos pelos antigos índios americanos (como agulhas e pontas de lanças feitos de ossos). Para os que não mergulham, o parque oferece também passeios de caiaque e em câmaras de ar de pneus pelo Santa Fé, atrações que sozinhas são responsáveis por dois terços dos visitantes do parque. Ginnie Springs também tem cursos de mergulho básicos e avançados (discover SCUBA, open water, advanced open water, rescue diver e mergulho em águas doces).

 

 

A Preocupação Com a Segurança

GS_0016.jpg (38293 bytes)"Cavernas perigosas - mergulhadores morreram aqui" são os dizeres das placas que recebem os mergulhadores na entrada dos springs. Debaixo d'água, na região que separa a zona de gruta da caverna, mais uma placa alerta: "Evite sua morte: não vá  além daqui se não for treinado para mergulho em cavernas. Muitos mergulhadores (incluindo instrutores) morreram mergulhando em cavernas". Estas placas fazem parte de um programa de treinamento e conscientização da National Speleological Society - Cave Diving Section (NS-CDS, a sociedade americana de espeleólogos) e foram colocadas por voluntários nas principais cavernas dos EUA.

Além disto, em todos os pontos placas lembram das 5 regras básicas que garantem a segurança no mergulho em cavernas:

Ser treinado especificamente em mergulho em cavernas e mergulhar dentro de seus limites.
      
Sempre utilizar uma linha guia iniciada fora da entrada da caverna.
      
Reservar sempre 2/3 do suprimento de ar para o retorno.
      
Nunca mergulhar mais fundo que 40 metros em uma caverna.
      
Possuir pelo menos 3 fontes de luz independentes, cada uma com duração maior que o tempo de mergulho planejado. Nos mergulhos em grutas, o sol pode ser uma das fontes de luz.

O equipamento usado também é diferente do normal: cilindros duplos ou triplos, coletes compensadores especiais, roupas secas, pelo menos 2 reguladores de ar independentes, lanternas de alta potência e pelo menos 2 lanternas de reserva. Todas as partes soltas do equipamento (como facas e manômetros) são presas de forma a evitar que levantem sedimentos do fundo das cavernas.

Embora o mergulho em cavernas seja bastante seguro se realizado corretamente, ele sempre foi considerado a "criança problema" do mergulho e ainda é considerada a mais perigosa de suas modalidades. Desde 1948, foram mais 330 mortes só nos EUA, todas envolvendo mergulhadores não treinados nesta especialidade ou que não seguiram as regras básicas. Nenhuma experiência anterior de mergulho (mesmo no caso de instrutores) é suficiente para o ambiente das cavernas e o treinamento especializado é essencial.

 

 

Uma Opção Para os Mais Experientes

GS_0022.jpg (14899 bytes)Ginnie Springs não é o único centro de mergulho especializado em mergulho em cavernas. Após os cursos básicos, talvez a opção mais interessante seja o Spring Systems Dive Center, em Luraville (a cerca de 1 hora de Gainesville). Ao contrário de Ginnie, este centro atende exclusivamente ao mergulho em cavernas e possui a sua volta mais de 25 cavernas (como Peacock, Orange Grove e Ichetucknee). Embora não ofereça muitos atrativos para os não mergulhadores e seja mais rústico que Ginnie Springs, está muito bem equipado e possui um grupo de instrutores de primeira linha. O proprietário Arwyin Carr é também um instrutor experiente e interessado em mostrar os melhores mergulhos e oferecer serviços de primeira aos seus clientes: "se alguém não aprender nada de novo em meus cursos, devolvo o dinheiro", diz Arwyn.

 

 

Serviço

ENDEREÇOS

Ginnie Springs Dive Center: 7300 NE Ginnie Springs Rd, High Springs, Florida 32643, telefone (001)(904)454-2202.
     
Spring Systems Dive Center: Rt 5 - Box 1718, Live Oak, Florida 32060, telefone (001)(904)776-2310.

COMO CHEGAR

De Miami ou Orlando, o mais fácil é alugar um carro e seguir em direção ao norte pela Florida Turnpike até a junção com a I-75. Entrar à direita na I-75 e seguir até a US-441. Neste entroncamento, pode-se virar à direita em direção a Gainesville ou à esquerda para High Springs.

Para chegar ao parque de Ginnie Springs, seguir pela US-441 até High Springs, virar à esquerda na US-27/US-41 e então à direita na C-340 - a partir daí placas indicarão o caminho (são cerca de 10 km desde a I-75).

Para chegar a Luraville, continuar na I-75 até a intersecção com a HWY-90 e virar à esquerda até Live Oak, quando se entra na US-51 em direção ao sul - novamente, as placas indicarão o caminho. Para as incursões no interior da Florida, o melhor amigo do mergulhador é o guia de estradas Rand McNelly, que vale cada centavo do seu preço e ainda traz como brinde cupons de desconto para diversos hotéis.

ONDE FICAR E COMER

As opções de hospedagem em Ginnie Springs e Luraville são bastante escassas. Para os mais aventureiros, os dois centros de mergulho oferecem áreas de camping bem equipadas, mas a melhor opção é ficar em um hotel ou motel em Gainesville. O motel acaba saindo mais barato pois dispensa o aluguel de barracas e muitas vezes pode ser incluído no preço dos pacotes de cursos. Durante o dia, praticamente não há tempo para comer e a solução é um sanduíche preparado nas próprias lojas. Nas noites, Gainesville é o local certo para jantar, pois apesar de ser uma cidade do interior, a universidade traz algum movimento.

QUANDO IR

Embora não exista uma época ruim para visitar as cavernas da Flórida, o melhor é viajar entre setembro e novembro, evitando-se as férias escolares americanas (junho a agosto) e a estação das cheias (dezembro a fevereiro), quando a visibilidade pode piorar. Se você pretende fazer algum curso, é importante ligar antes para verificar as datas e reservar seu lugar.

PREÇOS

Os preços são aproximadamente os mesmos nos dois centros (Spring Systems é cerca de 20% mais barato) e variam de acordo com a época do ano, mas é possível se ter uma boa idéia. O ideal é fechar um "pacote" que inclua hospedagem, equipamento e cursos e taxa de admissão no parque para todos os dias no início da estadia. O pacote de Ginnie Springs incluindo hospedagem em um motel em Gainesville, entrada no parque, cilindros, recargas, cinto de lastro sai a US$ 59,00 por dia enquanto que o aluguel de equipamento de mergulho completo (sem contar o equipamento extra para as cavernas) fica em US$ 48,00. Os cursos custam a partir de US$ 125,00 (mergulho em grutas e introdutório a cavernas) e podem chegar mais de US$ 500,00 no caso de programas especiais. Não deixe de tentar um desconto !

EQUIPAMENTO

Embora os dois centros de mergulho possuam equipamento para aluguel em perfeitas condições, os preços podem ser um pouco altos devido à quantidade de material. O ideal é levar o máximo possível do Brasil (roupa, máscara, nadadeiras, regulador, BC e faca) e alugar somente o que falta (lanternas, reguladores extras, linha guia, etc). Tudo depende da disponibilidade de peso nos aviões e da finalidade da viagem. Lembre-se que cilindros e cintos de lastro estão incluídos na maioria dos pacotes.

NÃO ESQUEÇA

Mais do que em qualquer outro lugar dos Estados Unidos, um certificado de mergulho reconhecido (PDIC, SSI, PADI, ABMA, etc.) é indispensável ! Sem ele, não há mergulho. Um logbook (livro registro de mergulho) atualizado também é útil, pois pode dispensar uma avaliação das técnicas de mergulho básicas no local, o que além de embaraçoso, custa dinheiro...

E NO BRASIL ?

Ainda possuímos poucas equipes organizadas de mergulho em cavernas e nenhum curso regular de padrão aceit vel. O CEBRAPEHS possui uma equipe treinada e equipada que há  alguns anos vem conduzindo explorações nas cavernas da região de Iporanga. Esta equipe é aberta a interessados e maiores informações podem ser obtidas escrevendo-se para: CEBRAPEHS - Caixa Postal 20.970 - São Paulo - SP - CEP 01498.

 

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